13.10.08

POORTUGAL - Experiências não faltam


Uma perspeciva bastante interessante sobre o nosso POORTUGAL e ALLGARVE visto pelo "colega" Vasco Vidigal & Artadentro, Associação.


"Para quem trabalha na área cultural, o que ressalta do fenómeno Allgarvio, é a inequívoca certeza de haver dois países: um, que abrange a região de Lisboa e Porto, onde se concentram as instituições de referência — museus, fundações, galerias, escolas de arte, apoios estatais e, claro está, os artistas; outro, POORTUGAL, o restante país (de onde se emigra para a capital ou ao estrangeiro) e onde o interesse pela acção cultural/artística é negligenciada e/ou desencorajada, todo ele palco apenas da produção autorizada, se ou quando por benesse surge — e que, supostamente, se deve aplaudir com entusiasmo e, agradecendo de forma humilde, pedir por mais com ansiedade.

No Algarve agora, a cada ano, durante a época balnear, as associações culturais, para as quais o estado e as Câmaras Municipais se mostram, por tradição, pobres e indisponíveis, assistem da berma da rua à sumptuosidade posta à disposição da iniciativa do Ministério da Economia e Inovação, vincando a diferença entre um Allgarve de Verão, abastado, e esse outro, mais a bastardo, de Outono/Inverno, o POORTUGAL do costume.

Com efeito, ao reflectirmos sobre o Allgarve, salta ao olhar um denominador comum — a pobreza. É a económica pobreza do país que motiva a iniciativa; é a da falta de consideração pelo Algarve que lhe dá o nome; é a pobreza de espírito, que se propõe trazer a esta região um life-style de duvidosa qualidade; é a mirrada escassez de espírito democrático, que descrimina o associativismo local e promove a 'sovietização' cultural na região; e é, finalmente, uma miséria, o que resulta da falta de rigor com o que se gasta em projectos de alcance tão curto como as vistas e, além disso, sem qualquer fruto futuro. Mas é, também, a indigência do espectáculo das vaidades pessoais, mais ou menos carreiristas, dos bacocos protagonismos em gravata, das inclusões e exclusões, das apropriações e das inviabilizações.

De facto, a miséria da abordagem Allgarvia é tão notória, que aquilo que tem de melhor é o modo como realça o astigmatismo oficial sobre as questões culturais. Para quem por isso se interessa verdadeiramente não deixa de ser um momento apoteótico do apocalipse poortuguês; aí, no Allgarve, através da desconsideração implícita, se desvela a efectiva pobreza do tecido cultural local — escondida pela demagogia política, estatal e autárquica —, ao ignorar as instituições existentes ou relegá-las a um papel de, quanto muito, meros amparos laterais (naquele que é o maior atestado de incapacidade, de que há memória, lavrado aos agentes culturais do Algarve); aí, também, se manifesta a miséria do 'conceito oficial' que o gerou, ao referir-se a cultura como factor de crescimento, como convém à cartilha economicista, porém, misturando eventos artísticos num programa de entretenimento/promoção turística — e a turistas exclusivamente destinado! —, visando o interesse dos melhor localizados, em vez de a todos acrescentar em humanidade; aí se revela, para mais, outro mau exemplo dado à política local — com a chancela da autoridade governamental e o selo da nobre casa de Serralves —, ao conferir força de referência à recente intuição institucionalizada de que cultura é coisa clean, de bouffet, preferencialmente de curto prazo, pop mix pronto a servir, em 'clima festivo' ou 'convidativo'; aí se confirma, enfim, a existência de uma paupérrima cultura de regime, em que estado e autarquias (detentores únicos dos meios públicos, financeiros e logísticos) têm também a exclusividade de decisão, segundo critérios nada claros e/ou em permanente mutação, sobre quem/o quê deve ser apoiado, impossibilitando, regra geral, quaisquer actividades livres do estigma da subserviência.

A costumeira agitação estival, ora enriquecida pelo glamouroso Allgarve — com suas vernissages e os inevitáveis magustos de haute cuisine, agora avant-gardemente miscigenada com a gastronomia tradicional, mais as vínicas degustações, o sport, as stars, as sasha sessions, o dinâmico kitsch-chique de governantes e políticos agitados dentro de leves fatos, atraídos pelo 'espírito cosmopolita' —, quase nos distraía de uma ausência altissonante, a do Ministério da Cultura. Os indulgentes pensarão talvez ser um modo, modesto e discreto, de reconhecer que nunca se tratou, afinal e de facto, de cultura… ou que, simplesmente, é mais poor do que se quer fazer passar.

Embora compreendendo o melindre da situação (pois não é simpático cortar a onda ao empreendedor Manuel de Pinho), o caso é que, quando se constata que Allgarve tem meios financeiros, públicos, muito superiores aos anualmente dedicados à cultura do Algarve — superiores aos destinados a "Faro, Capital Nacional da Cultura 2005", negativamente apreciada pela Lisboa que a sabotou — e que, já em 2008, a arte contemporânea — um dos componentes do programa Allgarvio —, não merece um único tostão (!) de apoio, para toda (all) a região, o que se sente é a falta de real interesse do Ministério da Cultura por todos (all) os que quotidianamente operam no terreno. A própria Universidade do Algarve, que forma agora os primeiros alunos em Artes Visuais, encontra-se na iminência de, por falta de condições para potenciar os talentos aí formados, ver todos (all) os seus licenciados compelidos à secular migração, contribuindo assim, involuntariamente e em evidente contra-natura, para a perpetuação do empobrecimento cultural e económico. Será que à gente da região não é outorgada vocação para a criação artística e cultural?

Mas também não se pode ignorar a postura da C. M. de Faro. Em indigência financeira crónica, este município mostrou, pela segunda vez (enquanto negligencia o dever de apoiar os seus agentes culturais), uma sua outra pobre faceta — a do mendicante provincianismo perante a iniciativa do Ministério das Inovações. De facto, a falta de sensibilidade cultural mais a ânsia de a mascarar, a urgência de mostrar trabalho, não havendo vontade de o fazer de forma séria e informada, e a aparente ocasião de protagonismo, fácil e grátis — mais à boleia do prestígio que a Fundação do Porto traz —, levaram o actual executivo camarário a aderir sem piscar olho. Em boa hora, dir-se-ia… E, de facto, negociou, disponibilizou espaços e meios que não cede aos agentes culturais do concelho; comprometeu pessoal autárquico e fundos que diz não poder atribuir às instituições locais; enviou convites para a inauguração e, porém, de súbdito indignada, demarcou-se do evento, numa demonstração cabal da penúria política da actual gestão, afinal, paradigmática representante do Poortugal em que vivemos e da 'cultura' que nos servem .



Vasco Vidigal
& Artadentro, Associação



(*) Este pequeno manifesto pontual não quer ser exaustivo na apreciação do Allgarve, uma vez que, destinando-se a lançar o debate sobre a matriz do evento — cuja terceira edição já foi prometida —, deverá ser complementado pela contribuição dos que se interessam pela vida da cultura, local, nacional e internacional. Também não pretende apreciar a allgarviada do ponto de vista da sua eficácia, enquanto motivo de atração turística ou de melhoria económica da região — área em que sérias dúvidas subsistem, pese embora as triunfantes declarações de Pinho. Mas também não pode ser interpretado como um mero exercício de mal-dizer, vazio de vias alternativas, até porque, pelo que fica dito, fácil é de perceber que basta algum senso crítico para evitar e inverter as actuais práticas, e encontrar uma justa fórmula que torne esta, ou qualquer outra iniciativa, verdadeiramente proveitosa para todo o Algarve, para o país e até para quem a promove — fazendo jus ao sentido que levou a acrescentar o simbólico "l" e concorrendo para apagar o extra "o" do nosso, infelizmente mais extenso e bem mais realista, Poortugal. De facto, de experiências que marcam está já ele cheio."

para saber mais sobre esta associação podem consultar o site: www.artadentro.com


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